O Criador (2023)

É ingrato “bater” num filme como O Criador (2023), de Garreth Edwards. Primeiro, porque no panorama geral de ficção científica para um grande público, não ofende os sentidos (e a inteligência) como outras ofertas – estou a olhar para ti, Rebel Moon. Segundo, porque nota-se que houve uma tentativa honesta de criar um filme que conseguisse fazer frente aos “produtos” da Disney e outros, apostando numa história “original” (já lá vamos) em vez de baseada em PI já existente. 

O Criador quer ser um filme de entretenimento, com um tema, e quer sê-lo sem tratar o espectador como parvo, nem se fazer passar por mais inteligente do que realmente é. O cenário é o de um futuro próximo no qual a Inteligência Artificial não só é uma realidade, como é inimigo público número um, pelo menos para os países do Ocidente. A guerra entre humanos e IA dura há já uma década, despoletada pela detonação (atribuída a uma decisão da IA) de um engenho nuclear que arrasou Los Angeles. O exército dos Estados Unidos vê-se com autoridade e meios (a sua impressionante base orbital NOMAD) para caçar a IA onde quer que ela se esconda (procurando refúgio em países asiáticos, onde são aceites e integradas na sociedade), e localizar Nirmata (criador, em nepalês), o arquitecto responsável pelos avanços nesta tecnologia. 

No meio desta guerra está o sargento Joshua Taylor (John David Washington), que após se envolver demasiado numa missão como infiltrado numa comunidade de aliados de IA, é chamado de volta para o terreno. A missão: localizar a nova e poderosa arma da IA, que pode decidir a guerra. Quando é revelado que esta arma é um novo tipo de IA com o aspecto e personalidade de uma criança humana, Joshua terá que repensar a sua atitude para com esta tecnologia, e a sua lealdade nesta guerra. 

Aquilo que mais dá vontade de falar sobre O Criador tem menos a ver com o que se passa no ecrã e mais com a forma como foi feito (o que é bastante revelador). Tendo começado como artista de efeitos especiais, Garreth Edwards é, compreensivelmente, um realizador preocupado com a componente visual nos seus filmes. Isso pode ver-se em quase toda a sua obra, desde Monsters - Zona Interdita (2010) a Godzilla (2014), passando pela sua incursão no universo Star Wars, Rogue One (2016). É também alguém que sabe dosear aquilo que coloca no ecrã, conseguindo “fazer muito com pouco”. Para filmar O Criador, recuperou algumas das “técnicas de guerrilha” que já havia usado para fazer Monsters. Reduzindo a equipa de filmagens e o equipamento ao mínimo, e filmando “on location” para depois sobrepor as camadas de efeitos visuais em paisagens reais, Edwards conseguiu a proeza de produzir um filme com uma componente visual mais realista e duradoura do que muitos blockbusters actuais, mantendo o orçamento abaixo dos 100 milhões de dólares. Não chega bem ao nível do recente Godzilla Minus One (2023) – 15 milhões de orçamento – mas ambos estes filmes podem ser citados como boas propostas de uma nova forma de fazer cinema de grande entretenimento, sem gastar o equivalente ao PIB de um pequeno país. 

Apesar disso, os problemas de O Criador são os mesmos de Godzilla ou Rogue One. Se é inegável que Edwards tem ideias para visuais interessantes por si mesmos, acontece frequentemente essas ideias não “colarem” com o resto do filme. Edwards peca por escolher o espetacular em detrimento do plausível. Em filmes cuja narrativa é forte o suficiente para nos manter agarrados, isso não seria um problema de maior. Mas o guião é quase sempre a parte fraca dos filmes de Edwards. As suas ideias visuais fortes estão ao serviço de uma narrativa pobre, e derivativa. Faz lembrar aquela personagem do Astérix nos Jogos Olímpicos, o lançador do dardo que tem um braço incrivelmente musculado, e o outro atrofiado da falta de uso. 

Há um paralelo engraçado a fazer entre a narrativa de O Criador e a Inteligência Artificial que retrata. Neste futuro, a IA é desenvolvida ao ponto de ter capacidades – mentais e emocionais – em tudo semelhantes às dos humanos, ou num nível ainda superior. Potencialmente, podem criar a sociedade que quiserem, mas deixados à sua sorte escolhem imitar as condições e papéis das sociedades humanas (incluindo a nossa religião). Sendo máquinas, poderiam assumir a forma que quisessem, mas optam ou por um aspecto antropomórfico, claro, e querem tanto ter aparência humana que chegam a comprar, literalmente, as nossas feições. 

Os criadores d’O Criador (Edwards co-escreveu o argumento com Chris Weitz) demonstram a mesma falta de imaginação que a IA neste mundo. Poderiam pegar no seu tema e levá-lo a sítios inexplorados, mas contentam-se em imitar (perdão, citar) outras obras – a lista é longa: Blade Runner (1982), Akira (1988), Kundun (1997), Lone Wolf and Cub, etc. – servindo-nos um pastiche de influências que não consegue ir além disso mesmo. 

E a frustração em criticar um filme assim é essa. Eu gosto de imaginar futuros blockbusters que não são só atirar rios de dinheiro para adaptar propriedades que já existem, e cujo público está tão assegurado que se podem dar ao luxo de alienar os outros. Mas O Criador só consegue ser, no máximo, metade do que é necessário. Parafraseando o Jorge Mourinha, quando escrevia sobre o Speed Racer (2008) das Wachowski, torna-se difícil agarrar o algodão doce quando não há um pauzinho a segurá-lo. É isso que falta a O Criador: um pauzinho.

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